domingo, 23 de abril de 2017

Algo nº 2

     Caminhava com passos incertos, sem perceber onde os punha. Automaticamente punha um à frente do outro, num ritmo algo acelerado mas quase musical. A rua estava movimentadíssima. Detesto. Detesto ter que fugir às pessoas, aos guarda-chuvas, aos encontrões. O dia tinha sido caótico e aquela passerele de fim de tarde estava a funcionar apenas como o fechar do ciclo, porque sabia que em poucos minutos estaria entre a segurança das minhas paredes. Mas enquanto o ciclo não se fecha, dói. Queria, naquele momento, já ter chegado a casa. Queria já estar de chinelos. Queria estar a estender a roupa, a lavar a loiça do pequeno almoço, a limpar a ração que o Darwin insiste em espalhar pela cozinha, a ler, a ver televisão, a ouvir música, a fazer o que quer que fosse. Menos estar a caminhar ali. Com o guarda-chuva numa mão, a mala no ombro, a maldita pasta dos documentos na outra, o dedo indicador a segurar o saco de papel com a blusa que tinha comprado na hora do almoço e o telemóvel a tocar. Alguém me explica como diabos vou eu atender o telemóvel agora? Vejo do meu lado uma loja de antiguidades e esgueiro-me para debaixo do tolde. Encosto o guarda chuva, pouso o saco, enfio a pasta debaixo do braço e procuro o telemóvel dentro da carteira. Tenho mesmo de fazer uma limpeza a isto... Entre recibos de compras, carteira do dinheiro, carteira dos cartões, bolsa da maquilhagem, bomba da asma, e mais umas quantas coisas não identificáveis ao primeiro toque, acabo por encontrar o telemóvel. Durante uns segundos fiquei a saborear o teu nome no ecrã. Só depois deslizei o dedo para o encostar ao ouvido e ouvir-te sussurrar:
     - Amanhã não quero ir...
     Eu também não. Queria ter-lhe dito, mas por vezes não podemos revelar o que de mais profundo temos em nós, embora ele o desconfiasse. Não podemos, não queremos, não fazemos por poder, enfim. Não o disse. Consegui balbuciar algumas expressões, que estava a ir para casa, que estava a chover, que estava carregada, mas não lhe disse o que queria ter dito, nem o que ele queria ouvir. Que era, basicamente, a mesma coisa. Eu também não quero ir amanhã.

Facto n° 15

Não quero estar sozinha. Quero estar com pessoas que não me façam querer estar sozinha!

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Irritação nº 14

Há alturas em que todo o teu ser pede para parar, ouvir a música que está a passar no rádio do carro e que podia muito bem ser da banda sonora de um qualquer filme alternativo, e pensar. Pensar tanto, tanto, tanto, que os pensamentos seriam obrigados a sair por qualquer sítio por onde conseguissem esgueirar-se.
Por vezes saem pelos olhos!...

sexta-feira, 31 de março de 2017

Irritação n° 13

Preciso urgentemente de descansar. A cabeça. Dói cá dentro de uma dor que não se sente cá fora.

segunda-feira, 27 de março de 2017

Algo nº 1

     Parei a bicicleta e deixei-a encostar ao gradeamento de ferro com subtileza. Não a prendi com cadeado, não a amarrei. Na verdade, também não iria muito longe dali. Debrucei-me e vi a água que corria teimosa no vale que o riacho continuava a fazer dia após dia. Nunca tinha estado ali e, no entanto, sabia que aquele era um meu lugar. De tantos outros, mas sobretudo meu. E naquele instante era só meu, já que estava ali sozinha. Aquele lugar pertencia-me, mais do que eu pertencia àquele lugar.
     Estava um tempo ameno e isso ajudou-me a sentir confortável com a blusa que trazia. Tinha flores, a blusa. Azuis, pequenas, e ainda cheirava ao perfume que tinha posto de manhã. Mas mais do que o perfume da blusa, sentia a brisa nos olhos que entretanto fechava. E havia poesia nessa brisa. E no som que a água tinha naquele riacho. E na luz do sol que me acarinhava. E todo aquele momento me abraçava.
     Estava a viajar sozinha. Era a primeira vez que o fazia, a vida assim o tinha proporcionado. E naqueles dias, em que estive mais sozinha do que nunca, senti-me completa. Comigo.
     Esvaziei a minha mente. O mestre ensinou-me bem e creio que fui uma boa aprendiz. "Tens dentro de ti a poesia" disse-me ele. Pois tenho. Abro os olhos e absorvo as cores. O verde, sobretudo. Lembro-me de uma senhora, não me recordo o nome (já disse que tenho memória de peixe?) que, vendo-me um certo dia, teria eu uns 13 anos, a desabar como um baralho de cartas lançado ao vento e a desfazer-me em lágrimas, em sofrimento interior, me disse "Olha para o verde. Repara nos diferentes tons de verde que os teus olhos conseguem alcançar. Olha para o verde e sente-o a sossegar-te." E resultou. Resulta sempre! E naquele momento ainda mais, porque não me sentia um baralho de cartas como quando tinha 13 anos.
     Foi nesse momento que senti uma mão no ombro. Não tinha ouvido os seus passos, nem a minha visão periférica me tinha ajudado a identificar um novo elemento naquela pintura perfeita. Não me assustei nem me voltei para trás. Durante uns largos minutos ficámos assim. Eu encostada ao gradeamento de ferro a olhar o verde e ele com a mão no meu ombro.
   

terça-feira, 21 de março de 2017

Facto nº 14

Apatia.
Vontade de nada, de ficar, de estar, de ser.
Vontade de ter vontade, de querer, de ir.
E vai-se. E faz-se. E entristece-se. E olha-se o vazio. E chora-se.
E volta-se. À apatia.

Substantivo F*$#&%!

segunda-feira, 6 de março de 2017

Facto nº 13


O meu auto-conhecimento resume-se a saber que estou em constante mudança.

Fora isso, não sei mais nada!




segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Irritação nº 12

Este é um texto de Irritação.
É.
Não tenho neste momento como explicar o porquê, facto que não invalida continuar a sê-lo. E o motivo está algures difuso e enublado dentro de mim e não consegue sair por nenhum poro da minha pele.
E isso irrita-me ainda mais!
Há tristeza a circular dentro de mim que não se digna a sair ou, no mínimo, a explicar-me porque teima em continuar aqui...

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Facto nº 12

Tinha 2 anos.
90% do seu dia útil tinha a sua mãozinha esquerda fechada.
E perguntei-lhe o porquê... E ela contou-me o que de mais mágico eu ouvi até agora!
"Estou a guardar os meus segredos..."
E acredito que o estivesse mesmo. A imaginação que mora em nós, em certos momentos consome a realidade que somos obrigados a viver e substitui por algo lindo!
E os seus segredos cabiam dentro da sua mão.
"É para guardares os teus segredos" - disse-lhe a educadora enquanto lhe oferecia  uma pequena bolsa.
E guardou. Por pouco tempo, é certo, porque se esqueceu dela num restaurante.
Perdeu a bolsa, mas não os seus segredos, apesar de não ter precisado de fechar a sua mão outra vez.
Agora guarda-os noutro sítio...


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segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Irritação nº 10

Até que ponto tem o Rui Veloso razão quando diz "Não se ama alguém que não ouve a mesma canção"?...

É impossível existir em todo o mundo (e o mundo até tem muita gente...) duas pessoas iguais. Ora... partindo deste facto, poderei concluir que a procura da/o "tal" (se é que isto realmente existe!)  passará inevitavelmente por se tornar na procura da pessoa cujas diferenças melhor se encaixam em nós.

Agora...
Teremos de olhar um pouco mais além da mera "canção" que o Rui refere, caso contrário torna tudo demasiado redutor e não faz sentido nenhum eu estar aqui a escrever isto (às tantas nem faz mesmo sentido nenhum, mas pouco me importa neste momento...). São canções, são letras, são sinais, são pensamentos, palavras, actos e omissões (onde já ouvi eu isto?...), são gestos, são olhares, beijos e abraços, é o que se diz e o que não se diz, é o que se pensa, o que se esconde, o que se quer dizer e não se diz, é o que se diz nas entrelinhas, é a forma como se come o bolo! As diferenças podem-se revelar numa enumeração quase infinita, que nem me atrevo a continuar!

A questão principal está na forma como encaramos essas diferenças e na nossa (in)capacidade de as ajustar a nós. Mas acho que isto não é novidade. E, concordemos, talvez seja o mais difícil de se conseguir.

Porque aí entramos noutro campo: queremos conseguir?



Irritação nº 9

Onde está o limite do exagero?
Quando queremos encontrar o equilíbrio, tendemos a balançar de um lado para o outro, dos dois lados do exagero.
Faço-me entender?...
Mas como saber onde está o limite? O limite do exagero? De um lado... do outro lado...
E saber onde está o limite do razoavelmente aceite pelos outros e por nós mesmos...